25 de janeiro de 2010

Venho Cantar as Janeiras

DESEJO-VOS QUE, NO NOVO ANO, NÃO SE DISPERSEM...

Para abrir o novo ano de debate (se é que isso existe) sobre a dispersão da edificação (se é que vale a pena), proponho a leitura da Revista Unibanco nº 132, cujo tema de capa é “Em Defesa da Paisagem – cinco projectos de arquitectura em harmonia com a Natureza”

E em que consistem esses cinco projectos, aliás obras consumadas?
Pois em casas sofisticadas, claramente segundas residências com vista para o mar, estuário ou albufeira, construídas em cima de dunas, em áreas florestais, em solos com declive superior a 25%, em locais com acessos difíceis mas ”exclusivos”, etc.

Além destas cinco existem, obviamente, muitas mais.

Então, quer dizer: a dispersão já tem este lado sofisticado?
O mercado do solo rural tem já este nicho?
Epa! os interesses e poderes que aqui estarão envolvidos… cuidado!
Mas então, são estas as virtudes e vantagens da dispersão?

A matéria é delicada – além do mais, estamos a lidar com projectos que, em si próprios, têm de facto qualidade, circulam nas revistas de arquitectura, alguns ganharam prémios de prestígio.

Mas – e depois?


Canto-vos o soneto do meu conterrâneo Paulino António Cabral (Abade de Jazente), que ilustra bem a minha rabugice acerca da actual ocupação do espaço rural:

A Manhã fresca está, sereno o vento,
O monte verde, o rio transparente,
O bosque ameno; e o prado florescente
Fragâncias exalando cento a cento.

O Peixe, a Ave, o Bruto, o branco Armento,
Tudo se alegra; e até sair a gente
Dos rústicos casais se vê contente,
E discorrer com vário movimento.

Este cava, outro ceifa e aquele o gado
Traz no campo a pastar de posto em posto;
Outro pega na fouce, outro no arado.

Tudo alegre se mostra: e só disposto
Tem contra mim o indispensável fado,
Que em nada encontre alívio, em nada gosto.


(Abade de Jazente)


Perante as coisas sérias da vida, o mínimo que se pode exigir é que se conserve o sentido do humor.
Leio, pois, o soneto numa perspectiva irónica – imagino um engenheiro a sair de uma destas casas sofisticadas com a enxada às costas e, em harmonia com a Natureza, vai prazenteiro cultivar o quintal; um doutor a sair de uma casa na duna com o rebanho e, assobiando uma do Quim Barreiros, leva os animais a pastar…

Tudo alegre se mostra: e só disposto
Tem contra mim o indispensável fado,
Que em nada encontre alívio, em nada gosto.



Procurando alguma coisa que me dê gosto, a ver se encontro, algures, um alívio para este meu fado, são estes os tópicos que proponho para um eventual debate:

– Constrói-se uma casa na duna?! Como?
– Pronto, está construída. E depois?



Cantando assim as janeiras ao jeito de um fado, desejo aos membros do CAID que, no novo ano, não se dispersem.

Joaquim Jordão