15 de março de 2010


A Rua da Estrada
é um assunto que mete medo!
Nem é estrada, nem é rua
e parece acumular
as desvantagens de cada uma delas.
Para quem vai de passagem,
são as paragens constantes,
o congestionamento,
as passadeiras, os semáforos.
Para quem vive junto à estrada,
é a perigosidade do trânsito,
a falta de pessoas, o ruído constante.

(retirado do livro "A Rua da Estrada", Dafne, 2010, Porto)
Imagem disponível no blogue Quintas de Leitura

Comentários sobre a Visita

Gostei muito da visita: A rua da estrada foi uma boa maneira de olhar para uma realidade que nos aparece caótica como que a desestruturar o nosso pensamento, os nossos conceitos. Álvaro Domingos usou com ironia e provocação a sua rua da estrada para nos dizer para observar primeiro o que lá está, ver de facto aquela realidade, aquela mistura, aquele fervilhar de situações, de dispersões, ver sem preconceitos. Aí gostei, fiquei seduzida por esse apelo a um olhar ingénuo e curioso: deixa-me ver, deixa-me olhar sem estar logo a classificar, a encaixar em modelos e regulamentos, deixa que a realidade afinal me ensine!

E assim me imbui da ideia da bondade do crescimento “espontâneo” seguindo “realisticamente” as forças do mercado: encantei-me com a capacidade de adaptação às oportunidades (ou à falta delas), com a criatividade e espírito de iniciativa: que morra o que tem de morrer e que viva o que tem de viver e cada um que faça pela vida…

Mas logo, porém, é fatal, comecei a pensar que a bondade deste crescimento espontâneo tem, no entanto, limites sérios que apelam afinal a soluções de planeamento e de ordenamento sob pena de uma enorme entropia. Assim, por exemplo:

Apesar de as coisas se irei, digamos, resolvendo, o facto é que a realidade dos sistemas de abastecimento de água e de esgotos deve estar longe de estar satisfatoriamente resolvida e que, por outro lado, a existência dentro deste grande contínuo “rur/urbano” de uma agricultura rentável e de solos agrícolas encontra-se sobre intensa pressão, ameaçada por uma ocupação urbana crescente e difusa, não só pela ocupações dos solos como pelas diversas poluições existentes e fluxos de tráfego conflituantes em caminhos e vias de acesso que devem existir (uma coisa são os quintais das casas e a diversidade de modos de vida que podem permitir e outra uma produção agrícola para mercados mais alargados que mesmo sendo em estufas, como vimos, precisam de condições e nomeadamente de solos).

Enfim, aceitando o desafio de não nos encaixarmos em modelos para olhar a realidade e para responder às suas dificuldades, o facto é que também aqui há que encontrar respostas a dar pelas redes de equipamentos, serviços de saúde e de educação por exemplo mas não só, o que reclama um esforço de ordenamento pois não é pensável que tudo se resolva simplesmente seguindo a forma espontânea de ser e sem um nível de hierarquização desses equipamentos. Pelo contrário, fiquei com a sensação que há muitas coisas para reconsiderar e para resolver e que não será possível apenas com os recursos gerados na região.

Também retive a imagem de armazéns e fábricas abandonados ou fechados ( alguns pelos efeitos da crise actual), o que sugere a oportunidade de um esforço programado de projectos de reutilização que evitem novos avanços sobre os solos agrícolas (foram dados alguns exemplos que suponham são muito pontuais)

A mistura de usos é até certo ponto de promover em desfavor de um zonamento funcional excessivo, contudo a mistura total de usos ao sabor da corrente onde nos leva? Julgo que há limites às adaptações espontâneas, a menos que e se caminhe para conflitos de usos que se multiplicam e ampliam (poluição das águas e, fluxos de tráfego excessivo que põem em causa o próprio uso da rua da estrada como montra e espaço de comércio, o caos da paisagem…)

Por último, o caminho-de-ferro parece ser desvalorizado. Será que há razão para isso? Para mim não foi muito claro apesar do que foi dito: o caminho de ferro para além de outros contributos pode ter também uma função organizadora do espaço que talvez esteja a ser ignorada por causa do excessivo foco na rua da estrada e no modo rodoviário que a sustenta, ora vários factores como a crise energética, por exemplo, levam a que na actualidade se volte a olhar com um novo interesse para o caminho-de-ferro .


Feitos estes comentários quero só dizer que a forma viva da apresentação e todo o passeio forma muito estimulantes e espera-se mais. Obrigada

Mª Albina Martinho

Comentários sobre a Visita

Gostei muito do passeio, fiquei vivamente impressionado com a importância e extensão dos "mortórios " industriais. Não conhecia. São de facto também um novo problema urbanístico.
Quanto à "rua da estrada", julgo que o Dr. Álvaro Domingues está excessivamente entusiasmado com as virtudes da rua da estrada. É um povoamento que temos e que teremos de tratar. Pesam sobre ele algumas ameaças onde as menores não serão o destino ainda incerto sobre os custos no futuro do transporte individual e os problemas de segurança.
Este tipo de povoamento, em termos de infrestruturas e serviços urbanos, é muito caro e pouco propício ao desenvolvimento de uma convivência comunitária. Julgo, como indicou o Jorge Carvalho, será na área do planeamento que se deverão procurar os remédios e a valorização de aspectos positivos que também existem.

João Duarte Silva

4 de março de 2010

On the Road

A Rua da Estrada: «As transformações dos campos são tão radicais como as transformações das cidades. Hoje a urbanização progride a um ritmo avassalador e já não está exclusivamente dependente da aglomeração e da proximidade física. As infraestruturas percorrem territórios imensos que tornam possível um sem número de padrões de localização, construções e formas de organização social. O urbano é um “exterior” desconfinado e instável, por contraposição à imagem da cidade amuralhada.
A Rua da Estrada é a imagem perfeita desta metamorfose. Mais do que lugar, ela emerge como resultado da relação, do movimento. O fluxo intenso que a percorre é o seu melhor trunfo e a sua própria justificação. Sem fluxo não há troca nem relação, génese primordial da velha cidade.
Dizia alguém, explicando as manobras de sedução que praticava para tornar o seu negócio visível para quem vai na estrada: “O problema é fazê-los parar”.»


(Publicado no Boletim da Ordem dos Arquitectos, Fev 2010)

On the Road

Que giro! A gente agora vem passear ao campo para se deleitar com este sem número de padrões de localização, construções e formas de organização. É giro a gente andar por aqui, deixar-se ir no fluxo intenso que desliza nestas infraestruturas que percorrem territórios imensos, e de repente topar com padrões inovadores: ali um pavilhão industrial no meio de um campo de milho, acolá um prédio de apartamentos isolado na meia-encosta, com varandas para o norte, que a sul é a encosta, mais adiante um loteamentozito com umas infraestruturas que começam na Estrada, dão a volta e tornam a entroncar na Estrada uns metros à frente. Que giro, tem toponímia, é a Travessa da Estrada. E olha, olha, ali na Travessa começa outra Estrada, espera lá, chama-se Rua do Padre Qualquer Coisa, sim senhor, muito asfaltadinha, muito digna, vai por ali acima através dos campos, que engraçado. E tem iluminação pública, vês? Aquela lá mais acima deve ser a Travessa do Sacristão. Epa! lá mais ao longe, vês?, uma banda contínua, cuidado! aquilo tem pinta de arquitecto, ali isoladinha, que sossego, e deve ter umas vistas aqui para o lado da Estrada…
Bem, volta lá ao loteamento que ali na Rua do Padre não há casas, quer dizer, não há padrão (ih! ih! Padre / padrão…)
Mais de metade dos lotes estão por preencher, cheios de silvas, mas olha, olha, num deles está um stand de automóveis ao ar livre, enfim, são os novos padrões. Ai que engraçado: aquela moradia isolada tem um salão de cabeleireira. E aquela acolá tem um mini-mercado ou um café ou o que é aquilo. Mas parece que não têm movimento. Vamos ali beber um café?
E depois o dono do Café-Mini-Mercado Novo Padrão explica-nos que tem muito tempo para olhar para a Estrada e pensar, e vai coçando os problemas na cabeça e vai imaginando manobras de sedução para fazer parar os clientes que passam, quer dizer: flúem, a bem dizer, na Estrada, e, triunfante de tanto e tão acertadamente pensar, exclama:
– “Carago! O fluxo! O fluxo intenso que percorre a Estrada é que é o meu melhor trunfo!”.
Vai passando um pano sobre o balcão metálico inutilmente limpo e, mais comedido, conclui:
– “Pois se não houvesse fluxo não era precisa a Estrada para nada, ora bolas! O fluxo é a própria justificação da filha da mãe da Estrada.”Tão querido, tão pitoresco! Muito gira, esta metamorfose que se nota até nos padrões de pensar deste pessoal.
Lá dizia o outro: As transformações dos campos são tão radicais como as transformações das cidades.

Joaquim Jordão

O problema é fazê-los parar!



A Rua da Estrada é um conceito que emerge sobre os escombros da dupla perda da “cidade” e do “campo” e da oposição convencional entre o “urbano” e o “rural”. Da cidade, existe a ideia muito comum de que se trata ao mesmo tempo de uma forma de organização social (a polis ou a civitas) intensa e diversa que ocupa um território densamente construído, com uma forma, um centro e uns limites perfeitamente definidos. Esta imagem da cidade aparece como um “interior” confinado, rodeado pelos espaços extensivos e rarefeitos da agricultura, da floresta ou dos espaços ditos naturais. No mesmo registo, o rural seria o espaço da agricultura; agrícola porque maioritariamente dependente da economia agro-florestal, e rural, no sentido cultural, porque correspondente a estilos de vida e visões do mundo dominadas por um certo tradicionalismo atávico e pelo fechamento sobre si.
Nada mais falso. As transformações da agricultura e do rural são tão radicais, quanto as que se verificam nas cidades.
Hoje a urbanização progride a um ritmo avassalador e já não está exclusivamente dependente da aglomeração e da proximidade física entre as pessoas, os edifícios e as actividades. As infraestruturas – como a as estradas ou as redes de telecomunicações, água ou de energia –, percorrem territórios imensos que tornam possível um sem número de padrões de localização e de formas de organização social. O urbano é um “exterior” desconfinado e instável, por contraposição à imagem da cidade amuralhada.

A Rua da Estrada é a perfeita imagem desta metamorfose. Mais do que lugar, a Rua da Estrada emerge como resultado da relação, do movimento. O fluxo intenso que a percorre é o seu melhor trunfo e a sua própria justificação. Sem fluxo não há troca nem relação, génese primordial da velha cidade. Dizia-me alguém explicando as manobras de sedução que praticava para tornar o seu negócio visível para quem vai na estrada: “o problema é fazê-los parar”.

Texto e imagem disponíveis em: http://www.dafne.com.pt/catalog2.php?sub=2

3 de março de 2010

2º Encontro e Visita Técnica do CAID

Visita temática: "A rua da estrada"
- data - 28 de Fevereiro
- objectivo - visitar territórios com ocupação dispersa, entre V. N. Gaia / Porto / Paços de Ferreira / Santo Tirso
- orientador - Professor Álvaro Domingues
- textos de apoio - no blogue
- debate - no autocarro, ao longo da viagem, durante as refeições. Não foi previsto um debate formal
- almoço - "farnel" e paragem para partilha de petiscos
- recepção e lanche - Câmara Municipal de Santo Tirso
- inscrições - reservadas aos sócios do CAID

2 de março de 2010

A rua da estrada

A Rua da Estrada é uma coisa mal amada pela mesma razão de muitas outras coisas cuja identidade é flutuante, não encontrando estabilidade por aquilo que é mas sim pelo que deixou de ser ou ainda não é. É como um híbrido com a sua identidade cruzada e manipulada, ou ainda pior, como um transgénico que incomoda pelo simples facto de transgredir aquilo que o originou, no limite, a obra do próprio Criador. De uma mula é fácil dizer-se que tem o pior do cavalo e do burro e, que é estéril. Outros dirão que terá o melhor de uma burra e de uma égua. Coitada da mula e da sua indefinição identitária.

A estrada-rua é o elemento mais banal das formas e processos de urbanização em Portugal, nos antípodas de qualquer ideal-tipo do que seja a boa e verdadeira genuína cidade. Não vale a pena apostar tudo na idolatria da cidade histórica, no trauma de se ter perdido isto e aquilo e, desse trauma que ficou do rol das perdas, já não se ter discernimento sequer para avaliar se aquilo ainda é uma cidade ou se é um simulacro cénico limpinho e abrilhantado para mais um parque temático com programação contínua para o negócio turístico. Assim está a ficar Óbidos. Não há problema. As cidades também se prestam a isso mas não devem é ser só isso.

A passagem da cidade para o urbano arrastou uma metamorfose profunda da cidade: de centrípeta, passou a centrífuga; de limitada e contida, passou a uma coisa desconfinada; de coesa e contínua, passou a difusa e fragmentada; de espaço legível e estruturado, passou a ser um campo de forças organizado por novas mobilidades e espacialidades; de contrária ou híbrida do “rural”, passou a ser um transgénico que assimila e reprocessa elementos que antes pertenciam a um e outro rurais ou urbanos; de organização estruturada pela relação a um centro, passou a sistema de vários centros; de ponto num mapa, passou a mancha, etc., etc. A densidade de aglomeração e de inter-relação já não significa necessariamente aglomeração física de edificado, emprego, população, ou infra-estrutura. A acessibilidade, a velocidade, a conectividade e a mobilidade, podem realizar-se em superfícies extensas percorridas pelo zapping mais ou menos intenso de pessoas, bens e informação. Insustentável, dirão muitos.

A rua da estrada é um dos elementos mais legíveis da estruturação da urbanização extensiva. Num país histórica e profundamente deficitário em infra-estruturação e que só teve auto-estradas e vias rápidas na década de 90, era de esperar que a dinâmica de crescimento do pós-guerra tivesse que produzir edificação algures. As estradas e o que nelas havia (electricidade e telefone, quando calhava) eram o suporte mínimo dessa edificação com acesso garantido. É isso que a explica, e não os bodes expiatórios do costume: especulação, défice de planeamento (no antigo regime, havia só uns planos para uns bocados de cidades e pouco mais), ilegalidade (ou a-legalidade?). Compactar tudo isto na conversa do “feísmo” torna a realidade ainda mais opaca e indiscernível.

Com a banalização e a democratização do automóvel, ficou garantida a fluidez desta urbanização linear onde tudo se mistura: casas, cafés, restaurantes, lojas, serviços, fábricas. O edifício-montra (onde se expõem automóveis, móveis, plantas, etc.) ou a casa unifamiliar revista e aumentada com uma actividade comercial no rés-do-chão, são exemplos comuns da diversidade tipológica e funcional de tudo quanto aparece pela estrada fora. A sinalética que tudo indica, desde os sinais de trânsito aos endereços electrónicos do que está na terceira rotunda à esquerda, foi a última a chegar, sem a espectacularidade dos néons de Las Vegas mas com recursos de criatividade inusitados.

A rua da estrada é como um centro em linha, uma corda onde tudo se pendura - uma estrada-mercado.

Álvaro Domingues
(retirado do livro "A Rua da Estrada", Dafne, 2010, Porto (no prelo)

Urbanização Extensiva – uma nova escala para o planeamento

(Extensive urbanisation – a new scale for planning)

1. Urbanização extensiva - enquadramento

O urbano, dentro da polissemia que o caracteriza, não é mais do que o modo dominante de territorialização da sociedade. Ora, essa territorialização mobiliza espaços cada vez mais extensos e intensamente percorridos. O aumento dramático da mobilidade (física e informacional), permite modos de organização que antes estavam muito dependentes da proximidade física e da aglomeração. A perda de certos atritos territoriais – traduzida nos conceitos de espaço de fluxos ou espaço relacional – mobiliza lógicas muito diversas de territorialização, de espacialização dos modos de organização social. A grande escala territorial da urbanização extensiva não é apenas a representação da urbanização em territórios “desconfinados”, é, sobretudo, um âmbito geográfico pertinente para perceber as múltiplas dimensões que estruturam as dinâmicas e processos, i.e. o campo de forças territorial que actua sobre a escala micro dos “lugares” e das suas transformações. A grande escala permite, assim, contextualizar as intervenções micro (projectos urbanos, novas urbanizações, transformação de urbanizações existentes, etc.), percebendo de que modo se conectam aos sistemas infraestruturais e de mobilidade, aos sistemas biofísicos, e aos sistemas económicos mais vastos e dentro dos quais se integram.

A questão da urbanização extensiva encontra-se num enorme emaranhado de temas onde é já difícil saber de que é que se trata e de como se deve actuar e para quê. Este enunciado parece paradoxal, atendendo aos supostos consensos que existem. No entanto, é relativamente fácil demonstrar que esses consensos repousam, de facto, sobre um conjunto de questões que invariavelmente tocam duas tendências:

- uma generalização demasiada que se traduz no uso de “meta-conceitos” que, por serem tão gerais e abstractos, produzem a ilusão de conter toda a fenomenologia do real, podendo até transformar-se em verdadeiras aporias (igualdade de conclusões contraditórias). (...)

- uma excessiva polissemia que, a coberto da descoberta de supostas “normas” e “racionalidades”, denomina da mesma maneira e com os mesmos sistemas de causalidade e de representação diferentes escalas e contextos
de urbanização. (...)

Álvaro Domingues
(publicado pelo CITTA 1st Annual Conference on Planning Research. FEUP, 30 May 2008
(organization - CITTA) Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto em 2009)

link para o texto integral:
https://www.ua.pt/ii/ocupacao_dispersa/ReadObject.aspx?obj=12820

Do Devir ao Provir na cidade a par das metamorfoses individuais

Como nos diz Fernando Pessoa
“(…) a cidade é igual a qualquer outra, também é simultaneamente diversa de qualquer outra, pela simples razão que ela é também uma abstracção, uma metáfora vivente, que pode ser descrita e apreciada através de infinitos modos e representações.”

Encarando a citação de Pessoa em jeito de premissa, contextualizemos.

O conceito de cidade não apresenta um padrão universal, é variável de nação para nação e mutável de acordo com uma panóplia de sinergias complexas e correlacionadas que compõem e encerram a realidade da própria urbe.

No fundo, a cidade é um espaço de socialização, de intervenção humana, contém o ícone da guarida histórica, de todo o processo construtivo de diferentes (co)rrelações a diferentes escalas, proporcionado por gerações anónimas que se espelham muitas das vezes de forma abstracta, tal como nos disse Hideinburgo.
Mas, esta cidade é quase como uma espécie em extinção.
Temos a noção de que a cidade e o indivíduo se diluem em infinitos modos de representações, com uma influência cada vez mais global e onde a ocupação do “espaço” já não é só física, mas também virtual.
Temos, também, a noção de que esta nova cidade virtual acaba por não carecer da presença física do homem, mas, e tal como nos disse Corbusier_”a primeira prova de existência é ocupar o espaço”!....
Esta virtualidade (se assim se pode dizer) retira às cidades uma das suas principais funções, a de serem contempladas/apreciadas, percorridas a pé. É esta forma de usufruto que nos apoia a reflectir sobre a nossa realidade interior e a nos identificarmos com a exterior, a confraternizar com o transeunte que por nós passa/acompanha e envolve.
É esta relação biunívoca homem/cidade que nos permite acarinhar/identificar com determinado espaço/lugar.

Fazendo uma brevíssima retrospectiva, poderemos dizer que passámos por uma cronologia que seguiu um percurso orgânico, simbólico, místico, para dar lugar a uma realidade rectilínea dura, racional, quase que roçando a esterilidade emocional.
Encontramo-nos, agora, numa cidade onde surgem espaços/lugares descaracterizados, onde se destoem abruptamente memórias e se constroem emaranhados de redes que nos desenraízam e desorientam, eliminando a usufruível desejável liberdade amena, o normal fluir de todo o processo civilizacional.

Ou seja, o crescimento das cidades foi ao longo dos tempos sujeito a diferentes concepções, umas planeadas, outras com vista a dar resposta a problemas urgentes, tais como a ausência de higiene/salubridade ora causada por pestes, ora por êxodos e (e)imigrações populacionais, ora por guerras.
Muitas dos modelos planeados pecaram por demasiado idealismo, e muitas das concepções imediatas pecaram pela ausência dele. As respostas urgentes castraram toda e qualquer simbologia inerente a todos nós, que nos preenche como seres humanos.
Ironicamente, verificamos que a presença de um pragmatismo exagerado devido à presença excessiva de normas, regras, imposições, onde o mundo das ciências exactas e dos chavões se reproduzem de forma impar e a um ritmo mutacional desconhecido, acaba por andar pelo patamar da utopia, por inaplicabilidade das mesmas!
Por sua vez, a presença de um lirismo exagerado, que se mistura com o mundo das ciências subjectivas, sociológicas, psicológicas, acaba por não nos deixar “espaço” para uma intervenção oportuna e atempada!

Esta clivagem entre processos de concepção das cidades ora demasiado pragmáticos, ora demasiado utópicos, não tem conseguido dar resposta às reais necessidades do indivíduo e esta nossa cidade global, ainda não encontrou o seu lugar na história, a sua identidade, porque ainda embrionária.

Portanto, para evitar a reprodução de erros passados, urge um novo “olhar concepcional”, mais colorido de humano, menos cinzento de betão, associado a todas as nossas naturais formas de encarar as matizes psico-emocionais!
Um olhar que apoie à estruturação da cidade/individuo, à confortável orientação, à (re)descoberta do nosso quadro de referências internas!
Um Volver estético-emocional a percorrer por um processo de aculturação que exija, não só o continuum naturale, mas também um continuum individual e social!...

Cristina Montez

A Estrada da Rua

Existe o inverso.
A Estrada da Rua.
A rua do convívio informal, da procissão e da festa que passa a estrada, por efeito da circulação automóvel cada vez mais intensa e cada vez (pretensamente) mais rápida.

joão aboim