4 de março de 2010

On the Road

A Rua da Estrada: «As transformações dos campos são tão radicais como as transformações das cidades. Hoje a urbanização progride a um ritmo avassalador e já não está exclusivamente dependente da aglomeração e da proximidade física. As infraestruturas percorrem territórios imensos que tornam possível um sem número de padrões de localização, construções e formas de organização social. O urbano é um “exterior” desconfinado e instável, por contraposição à imagem da cidade amuralhada.
A Rua da Estrada é a imagem perfeita desta metamorfose. Mais do que lugar, ela emerge como resultado da relação, do movimento. O fluxo intenso que a percorre é o seu melhor trunfo e a sua própria justificação. Sem fluxo não há troca nem relação, génese primordial da velha cidade.
Dizia alguém, explicando as manobras de sedução que praticava para tornar o seu negócio visível para quem vai na estrada: “O problema é fazê-los parar”.»


(Publicado no Boletim da Ordem dos Arquitectos, Fev 2010)

On the Road

Que giro! A gente agora vem passear ao campo para se deleitar com este sem número de padrões de localização, construções e formas de organização. É giro a gente andar por aqui, deixar-se ir no fluxo intenso que desliza nestas infraestruturas que percorrem territórios imensos, e de repente topar com padrões inovadores: ali um pavilhão industrial no meio de um campo de milho, acolá um prédio de apartamentos isolado na meia-encosta, com varandas para o norte, que a sul é a encosta, mais adiante um loteamentozito com umas infraestruturas que começam na Estrada, dão a volta e tornam a entroncar na Estrada uns metros à frente. Que giro, tem toponímia, é a Travessa da Estrada. E olha, olha, ali na Travessa começa outra Estrada, espera lá, chama-se Rua do Padre Qualquer Coisa, sim senhor, muito asfaltadinha, muito digna, vai por ali acima através dos campos, que engraçado. E tem iluminação pública, vês? Aquela lá mais acima deve ser a Travessa do Sacristão. Epa! lá mais ao longe, vês?, uma banda contínua, cuidado! aquilo tem pinta de arquitecto, ali isoladinha, que sossego, e deve ter umas vistas aqui para o lado da Estrada…
Bem, volta lá ao loteamento que ali na Rua do Padre não há casas, quer dizer, não há padrão (ih! ih! Padre / padrão…)
Mais de metade dos lotes estão por preencher, cheios de silvas, mas olha, olha, num deles está um stand de automóveis ao ar livre, enfim, são os novos padrões. Ai que engraçado: aquela moradia isolada tem um salão de cabeleireira. E aquela acolá tem um mini-mercado ou um café ou o que é aquilo. Mas parece que não têm movimento. Vamos ali beber um café?
E depois o dono do Café-Mini-Mercado Novo Padrão explica-nos que tem muito tempo para olhar para a Estrada e pensar, e vai coçando os problemas na cabeça e vai imaginando manobras de sedução para fazer parar os clientes que passam, quer dizer: flúem, a bem dizer, na Estrada, e, triunfante de tanto e tão acertadamente pensar, exclama:
– “Carago! O fluxo! O fluxo intenso que percorre a Estrada é que é o meu melhor trunfo!”.
Vai passando um pano sobre o balcão metálico inutilmente limpo e, mais comedido, conclui:
– “Pois se não houvesse fluxo não era precisa a Estrada para nada, ora bolas! O fluxo é a própria justificação da filha da mãe da Estrada.”Tão querido, tão pitoresco! Muito gira, esta metamorfose que se nota até nos padrões de pensar deste pessoal.
Lá dizia o outro: As transformações dos campos são tão radicais como as transformações das cidades.

Joaquim Jordão

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