26 de maio de 2012

Habitar vizinhanças urbanas e paisagens de proximidade

Artigo XII, da série "habitar e viver melhor"
António Baptista Coelho

Introdução à caracterização de paisagens de proximidade e de vizinhança
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... o que aqui se propõe como ideia de vizinhança é, de certo modo, a constituição de soluções de agrupamento de edifícios e de espaços exteriores públicos que proporcionem a possibilidade de se constituírem relações de vizinhança naturais, não “impostas”, entre quem usa/habita aí e na respectiva envolvente; é isto que se tem em mente e não qualquer ideia de uma convivialidade obrigatória ou concentracionária, através de acessos obrigatórios por determinados “pontos”, e por espaços de circulação em que as pessoas até eventualmente se "acotovelem" ou sejam "obrigadas" a constantes relações "olhos nos olhos" – e acredita-se mesmo que estas últimas condições terão, até, como consequência frequente a ausência de uma vizinhança positivamente efectiva e eventualmente afectiva, podendo mesmo resultar em conflitos frequentes entre utentes.

Privilegiar uma arquitectura urbana que crie e consolide vizinhanças de proximidade

Vizinhanças urbanas agradáveis e únicas

As paisagens de proximidade devem caracterizar conjuntos urbanos e residenciais com dimensão diversificada, associados à definição de vizinhanças de proximidade, que sejam verdadeiros espaços de transição entre o edifício e a cidade, onde ainda seja possível algum conhecimento mútuo, mas também já algum convívio informal e espontâneo, num rico duplo sentido de última extensão do espaço doméstico e de guarda avançada do espaço urbano animado.
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Um aspecto fundamental, a salientar, é que a vizinhança de proximidade deve constituir-se e caracterizar-se, sempre, como um verdadeiro santuário do peão, onde ele se sinta seguro, confortável, abrigado e, praticamente, em casa; condições estas que devem visar especificamente os vizinhos mais sensíveis, as crianças e os idosos, que, como se referiu, são os utentes mais frequentes  desses espaços e os seus principais animadores. Mas atenção que a condição de ser "santuário do peão" não pode fazer reduzir as condições de funcionalidade e de eficácia estratégica no uso da vizinhança pelos veículos privados e de serviços, caso contrário teremos críticos problemas de rejeição da solução.
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... o principal segredo de um habitar verdadeiramente satisfatório é podermos viver a nossa casa, o nosso bairro e a nossa cidade.
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Afinal, o espaço de vizinhança é complemento e também agradável contraponto ao espaço doméstico, sítio onde podemos encontrar condições de espaciosidade, relação com a natureza e convivialidade que não existam no nosso espaço doméstico.

A vizinhança que tanto ainda é (a nossa) "habitação", como já é "cidade" (nossa e de todos)

... o espaço de vizinhança de proximidade constitui um nível intermédio e de transição entre espaço público e espaço privado, equilibrando sentimentos de apropriação, identidade e orientação; e deste modo podemos concluir que a sua existência é fundamental para se proporcionarem adequadas condições de satisfação residencial e consequentemente de atenuação de eventuais comportamentos menos adequados e, eventualmente, agressivos. A vizinhança de proximidade oferece, assim, condições específicas só aí possíveis, como será o caso das relações de convívio e de estada no exterior na proximidade de alguma animação urbana e condições de complementaridade, por exemplo, a eventuais situações de menor espaciosidade que caracterizem o espaço doméstico.
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A vizinhança de proximidade define-se no limiar entre o espaço que se deseja público, razoavelmente anónimo e animado e o espaço que se deseja privado, apropriado e sossegado. E há que destacar ser muito difícil construir esse limiar dentro das limitadas paredes do edifício, porque isso implicaria sempre grandes investimentos em espaços comuns interiores ou semi-interiores e dificilmente atingiria o desejado estado de equilíbrio e de vitalizado relacionamento entre espaços mais públicos e mais privados, numa interessante e útil animação urbana "à porta de casa"; afinal, uma animação que é um dos factores de satisfação para com a cidade e que encontra o seu mundo privilegiado no exterior residencial e nas suas margens equipadas e conviviais (ex., lojas, cafés e esplanadas).
Isto faz salientar a importância fundamental de se considerar o exterior residencial também como espaço que deve poder ser intensamente "habitado", uma intensidade de habitar que assume, naturalmente, um potencial e notável protagonismo a este nível da vizinhança de proximidade, porque na contiguidade com os respectivos edifícios residenciais e, naturalmente, desde que esta “dimensão” de vivência e de respectivo projecto tenha sido, objectivamente, prevista através de aspectos específicos de configuração e espaciosidade, alternativas de acesso, caracterização de limiares de transição entre os grandes espaços públicos e as células domésticas e de individualização de pequenas unidades residenciais (conjuntos de fogos).

Micro-intervenções vicinais naturalmente bem controláveis

Considerando-se, agora, uma perspectiva de aproximação ao que pode ser o dimensionamento mais desejável de uma vizinhança de proximidade e tendo em conta o muito que se conhece de cerca de três dezenas de anos de promoção habitacional de interesse social em Portugal, destaca-se o interesse de conjuntos residenciais criadores de vizinhanças efectivas até cerca de um máximo de 50 fogos, constituindo-se, assim, um conjunto que alia uma dimensão muito humanizada ao reconhecimento mútuo entre um número não excessivo de vizinhos e à geração de grupos de recreio infantil do mesmo nível etário, isto segundo Christopher Alexander. Naturalmente que tais possibilidades terão tudo a ver com a solução de Arquitectura e designadamente com um espaço exterior agradavelmente protagonista, com forma, função e carácter, e nunca com um espaço sobrante.
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... e a cidade faz-se e refaz-se, positivamente, através deste tipo de micro-intervenções bem controladas e controláveis em termos de solução projectada e de inserção e de gestão local, fortemente replicáveis e pormenorizada e faseadamente reconfiguradas em termos sociais, formais e funcionais.
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... sobre a matéria da criação de vizinhanças urbanas marcadas pela identidade e pela agradabilidade, importa dizer que é aqui que se joga boa parte da viabilidade e de positiva visibilidade de um dado conjunto residencial e urbano, pois uma sua efectiva, afectiva e cuidada presença pode, até, fazer transbordar, positivamente, o conteúdo e o mundo doméstico para o exterior residencial, contribuindo decisivamente para o mútuo equilíbrio entre necessidades espaciais e sociais que se façam sentir em casa e na rua, e despoletando o gradual desenvolvimento de sólidos laços de convívio e amizade entre vizinhos; de certa forma será ultrapassar a presença da vizinhança em cada edifício, deixando-a, agradavelmente, “na sombra”, com fundamentais vantagens para a privacidade nas habitações, marcando, sim, a vizinhança a um nível de proximidade, no limiar activo da cidade, mas onde estamos ainda sob o guarda-chuva protector do nosso espaço doméstico, para onde podemos “retirar” a qualquer momento.
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In:
Infohabitar, Ano VIII, n.º 394

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