31 de janeiro de 2015

Solo agrícola e agricultura em espaço urbano: dinâmicas. O exemplo de Évora

Revista GOT - Geografia e Ordenamento do Território
n. 6 (2014)

Maria Freire, Isabel Ramos

Resumo:
O objetivo do artigo é melhorar o entendimento sobre o significado da componente agrícola em espaço urbano para as sociedades e perspetivar estratégias no sentido de promover o património solo agrícola e a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano.

A metodologia de trabalho seguida compreende a análise da dinâmica de evolução urbana, associada à presença da agricultura em espaço urbano em Évora, numa perspetiva que inclui o seu significado nos domínios históricos, sociais, económicos, ecológicos e estéticos.

1. Introdução

A afirmação económica da cidade foi desde sempre acompanhada por uma significativa componente agrícola, assegurada nas áreas de maior proximidade ao núcleo urbano, em situações mais baixas e assim mais frescas e em solos mais férteis. Nas paisagens mais meridionais, entre esses espaços incluíam-se as tipologias de hortas, pomares, ferragiais, olivais, vinhas e as quintas, onde se produziam os produtos fundamentais para abastecer a cidade de frescos e matérias primas, comercializados pela atividade mercantil. No presente, muitas destas tipologias ainda perduram nos nossos espaços abertos, uma presença que é ainda reforçada pela toponímia.
Mais recentemente, a agricultura em espaço urbano expressa-se com objetivos e modos de realização distintos da agricultura tradicionalmente praticada nos campos agrícolas ligados à cidade. Correspondem-lhe ocorrências espontâneas ou organizadas, em espaços públicos ou privados, individuais ou coletivos e localiza-se dentro do perímetro urbano ou na periferia, uma atividade agrícola que inclui agricultores a tempo parcial ou total e com ou sem preparação técnica e/ou científica.
O objetivo da investigação é melhorar o entendimento sobre o significado da componente agrícola em espaço urbano para as sociedades e perspetivar estratégias no sentido de promover o património solo agrícola e a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano.
Se, no passado, a componente agrícola urbana estava intrinsecamente ligada aos domínios sociais e económicos, no presente relaciona-se ainda com os domínios ecológicos e pedagógicos. Esta presença traduz-se assim numa maior proximidade à natureza, como forma de procura de maior qualidade de vida urbana, combinando-se com os anteriores domínios sociais e económicos, desde sempre mais pronunciadas em tempo de crise.
Reconhecem-se que são muito diversas as dificuldades de implantação e manutenção de atividades agrícolas em espaço urbano. Desde a não integração da função produtiva agrícola no ordenamento e planeamento urbano (planos diretores, planos estratégicos, planos de urbanização e planos de pormenor), às dificuldade de acesso aos terrenos vazios (devolutos ou onde as anteriores funções/atividades entraram em processo de decadência e/ou abandono), aos obstáculos legislativos que se relacionam com a valorização dos solos com maiores potencialidades para a produção de biomassa em espaço urbano e, naturalmente ainda, aos conhecidos problemas relacionados com o acesso à água.
Argumenta-se nesta investigação a necessidade de legitimar a maior visibilidade que a agricultura urbana tem vindo a ganhar, através de um enquadramento legal que garanta maior operacionalidade desta função em espaço urbano. Assim, por um lado lança-se o desafio da ativação de políticas públicas, que não só legitimem a função produtiva na cidade, integrando-o entre as funções urbanas, como favoreçam a sua reconversão funcional, fundamental no solucionar de alguns problemas urbanos decorrentes de opções irracionais e/ou especulativas; por outro lado, esse desafio sustenta-se no pressuposto da necessidade de dinâmicas integradas, com articulação dos várias domínios que estão associados à presença da agricultura em espaço urbano – os económicos, sociais, culturais e ecológicos.
A metodologia de trabalho seguida compreende a análise da dinâmica de evolução urbana, associada à presença da agricultura em espaço urbano, numa perspetiva que inclui o seu significado nos domínios históricos, sociais, económicos, ecológicos e estéticos. Uma pesquisa que é centrada no caso-estudo de uma cidade antiga, de média dimensão, localizada no interior sul de Portugal – a cidade de Évora.

2. Conceitos

3. O espaço urbano e a agricultura

4. A cidade de Évora
4.1 Agricultura e a cidade – dinâmica e evolução
4.2. A recente reabilitação de agricultura em espaço urbano – hortas urbanas

5. Uma proposta para a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano

A evolução verificada nas dinâmicas urbanas ao longo dos tempos demonstram que, apesar de o crescimento urbano estar associado ao aumento do edificado, a agricultura em espaço urbano é uma constante – ainda que assumindo importância e forma diferenciadas decorrentes da evolução das dinâmicas enunciadas, confirmados no caso estudo.
Atualmente, assiste-se a um renascer do interesse da atividade agrícola em espaço urbano, onde se evidenciam preocupações ecológicas, pedagógicas e culturais, a par das socioeconómicas, como anteriormente afirmado.
A integração de áreas agrícolas no modelo de desenvolvimento urbano – constituindo uma nova função na cidade, dando resposta programada a uma procura existente e ainda insuficiente e tirando partido dos benefícios que estas áreas proporcionam no espaço urbano – tem vindo a ser equacionada e defendida por diferentes autores de diversas áreas disciplinares.
Telles (1996) defende essa integração através do conceito de paisagem global, que expressa a inexistência de barreiras rígidas entre espaços urbanos e rurais. Uma proposta que, por um lado, reconhece as interdependências entre esses espaços e, por outro, pode ser observada como estrutura fundamental ao desenho da paisagem, convocando a integração das componentes naturais e culturais. Esta ideia é também defendida por Alexander et al. (1997), simbolizando-a nos dedos urbanos e dedos rurais entrelaçados. Carvalho (2003) apresenta uma ideia análoga, ao explorar o conceito de cidade campestre, que corresponde à interpenetração cidade/campo, ideia ainda valorizada no conceito de campo urbano por Donadieu e Fleury (2003) ou por Forman (2004) no conceito de mosaico paisagístico, ensaiado para a região de Barcelona. Matos (2010:286) considera a agricultura urbana “não apenas como um factor de produção mas também como detentora de um grande potencial para o recreio sob o ponto de vista social, económico, ecológico, cultural e estético [considerando-a] como uma estrutura fundamental na re-conceptualização do projecto do espaço urbano.”
Numa perspetiva de concretização destas ideias, Donadieu e Fleury (2003) defendem a necessidade de legitimar política e socialmente o regresso da agricultura nos espaços urbanos. Carvalho (2003:515) concretiza-o na proposta de criação do estatuto de áreas agrícolo-florestais de cidade, referindo que “(...) elas existem, actualmente, no território urbano, quase sempre expectantes, muitas vezes em processo de degradação, espreitando a oportunidade de se tornarem urbanizáveis”. O autor refere que estas áreas seriam constituídas pelas áreas de RAN e de REN intercalares ao espaço urbano (que poderiam ser revistas), complementadas com outras áreas onde as antigas estruturas agrícolas ainda estão presentes (podendo ser consideradas património) e por outras que conferissem estrutura e coerência ao conjunto. Com um estatuto específico traduzido em regras de ocupação claras, estas áreas “e, sobretudo, os seus programas de ocupação corresponderiam à recusa de ‘vazios’, à ideia de que não basta proibir a construção, de que é necessário que todos os espaços da cidade tenham uma função, e de que é necessário, também, planear [todos os espaços da] paisagem.” (idem:516).
Nesta perspectiva, no sentido de dar resposta àquela integração, é importante criar mecanismos que a possam concretizar de forma programada. Considera-se assim que, à semelhança de outras categorias de usos e funções estabelecidos nos diferentes planos – como espaços comerciais, industriais e habitacionais, entre outros – também a agricultura seja considerada uma classe de espaços, com áreas e regras de ocupação e proteção claras e bem definidas, dentro do perímetro urbano.
Para além da criação de novas áreas para este fim, considera-se fundamental, no momento presente, reavaliar as funções existentes e os valores em presença – particularmente nas áreas que no interior do perímetro urbano inicialmente se inscreviam dentro dos solos mais aptos à agricultura (RAN) e que entretanto foram desafectados. A proposta assenta na ideia de reconverter usos existentes e espaços programados associados a funções ‘consideradas urbanas’ – outrora criados numa lógica de resposta (excessiva) a uma procura (também excessiva) por espaços edificados (habitação, comércio e indústria) – áreas fortemente impermeabilizadas e presentemente em processo de declínio ou abandono e outras que se mantêm expectantes ao longo dos anos, face à realidade atual.
A esta reconversão funcional de usos existentes e/ou previstos, acrescem valores de importância única para a manutenção da sustentabilidade das cidades – revigorar a cultura da terra, com valorização do património natural e cultural, nomeadamente o património solo agrícola.
A nossa proposta vai assim mais longe na medida em que se considera que, para além das atuais áreas acima identificadas, as áreas edificadas em solo inicialmente rural e transformado em solo urbano (muitas delas com potencialidades para ser integradas em áreas RAN e que perderam o seu estatuto de proteção), sejam reconvertidas em áreas de solo rural e integradas nesta nova classe de espaços agrícolas a integrar na cidade.

6. Referências bibliográficas

Ver mais:
http://cegot.org/ojs/index.php/GOT/article/view/198

Ler artigo completo:
http://cegot.org/ojs/index.php/GOT/article/view/198/91

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