A rua metropolitana transitória
Artigo de Gustavo de Casimiro Silveirinha
(*) Arquitecto, Doutorando IST,
INFOHABITAR - revista do grupo habitar, Ano VII, n.º 339
“A dicotomia entre aparência e realidade assumiu grande relevância na concepção do mundo material. A noção de que a função da ciência é dizer o que a humanidade pode dizer sobre a natureza e não o que ela realmente é, levanta questões acerca da relação entre a forma como se dá um fenómeno determinado e as limitações para o observar e entender com o máximo de precisão.” (1)
O modo como a cidade tem sido observada reflecte uma noção pouco estruturada, que se torna óbvia se se focar a atenção na envolvente das áreas metropolitanas nomeadamente a AML – Área Metropolitana de Lisboa.
Observar a cidade através do traçado e não do tecido edificado permitirá alguma abstracção, necessária num processo de análise de tensões e fenómenos urbanos ou metropolitanos, capaz de abarcar uma escala e conjunto.
Os ritmos económicos, culturais e sociais não permitem hoje uma unidade de desenho das cidades. Apesar de ligadas por infra-estruturas, dizemos que lhes falta um traçado unificador.
As cidades contemporâneas metropolitanas estão a dotar-se de centros de passagem de grandes infra-estruturas e cruzamentos de vias, onde se localizam recorrentemente interfaces que dispensam a necessidade de circulação até ao seu centro para se usufruir do serviço motivador da deslocação.
O que impede a cidade de se desintegrar morfologicamente podem ser elementos de transição: capilares metropolitanos, ruas e vias que permitem a circulação entre infra-estruturas metropolitanas que conferem à cidade escala humana, constituindo a cidade vivencial. É neste conjunto de elementos que se encontra a rua metropolitana transitória, com o sentido simultaneamente temporal e espacial.
Surgem espacialmente entre as vias viárias infra-estruturais e os aglomerados urbanos adjacentes, sendo por isso elementos de transição, mas o seu carácter e perfil não se encontra ainda definido, sendo por isso o actualmente transitório.
A passagem de escala entre infra-estrutura e traçado urbano deve ser assim assumida pelos capilares metropolitanos transitórios, complementados com espaços de descompressão como parques e praças, com identidade de desenho, com capacidade para se concretizarem como espaço público.
As grandes Infra-estruturas de distribuição
Por simplificação referimo-nos neste artigo como infraestrutura, os grandes “canais de distribuição dos fluxos viários à escala metropolitana e “ruas metropolitanas transitórias às vias rápidas e com capacidade elevada intermédias com os traçados urbanos de escala local.
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Fragmentação do Tecido Urbano
Com o avanço constante ou contínuo do processo de urbanização do território, assiste-se a uma aparente perda de controlo do desenho da cidade. O processo evolutivo, nem sempre constante e dependente de mais variáveis, levou ao aparecimento de franjas de território construído.
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Diferenciação
Os novos centros metropolitanos carecem de identidade devido em muito à fraca estruturação do traçado.
A diferenciação pode conferir ao traçado da malha urbana características de âmbito social, para que nestas áreas outrora de periferia possa surgir um maior sentido de pertença.
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A rua – Espaço público
A definição da palavra “Praça” como “Lugar largo e espaçoso, ordinariamente rodeado de edifícios”, que propicie a convivência ou a sua apropriação para recriação, complementada com a definição de Jane Jacobs dos quatro elementos necessários para que um parque ou praça funcione – complexidade, centralidade, insolação e delimitação
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A rua metropolitana transitória
A cidade é um sistema aberto, um organismo que necessita de energia e bens da envolvente.
Como sistema que é funciona como um conjunto de elementos interligados, interdependentes.
O grande objectivo das circulares e infra-estruturas viárias de localização exterior ao tecido consolidado era escoar a maior quantidade de tráfego do centro da cidade. A este objectivo soma-se o de evitar a necessidade de entrada na malha viária mais estreita para atravessar a cidade, congestionando-a. Ambos os objectivos aparentemente são cumpridos, por exemplo na 2.ª Circular, mesmo sendo que se denuncia a contradição e eminente esgotamento, estando muitas vezes congestionada.
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Casos
Rua Quinta de Santa Maria, Santa Maria dos Olivais ...
Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto, Alameda da Encarnação, Santa Maria dos Olivais ...
Rua Doutor João Couto, Benfica ...
Avenida Marechal Craveiro Lopes, Campo Grande ...
Conclusão
A classificação de rua metropolitana transitória pode ser considerada temporária em relação às vias existentes, com a expansão da cidade, na medida em que elas poderão progressivamente “urbanizar-se”, ao transformar-se em “ruas urbanas”, avenidas ou até “mainstreets” de bairro, enquanto outras surgirão como novas ruas metropolitanas, com escala adequada a nova ligações supra-municipais.
Também no que se refere ao papel espacial transitório da rua em relação a uma infra-estrutura de elevado tráfego, o carácter desta é simultaneamente transitório espacial e temporalmente, uma vez que o seu posicionamento, dada expansão da cidade se foi alterando. Mas a médio prazo é previsível que o seu perfil se altere também e se torna também mais urbana e a sua escala adaptada à realidade envolvente, pelo que a ocorrer será uma alteração de escala em diversos graus da hierarquia viária.
Estes exemplos demonstram que a cidade funciona, mas poderia ser optimizada enquanto sistema, e enquanto elemento de vivência humana, pela qualidade de circulação, mobilidade, espaço público e identificação com o espaço urbano.
A concretização da cidade como um sistema funcional permitirá evitar o congestionamento das vias, facilitando a mobilidade e potenciando o funcionamento da cidade. A mobilidade cria qualidade de vivência e riqueza, factores que potenciam a expansão da cidade. Deste modo o sistema condicionar-se-á e controlar-se-á a si próprio.
O reconhecimento da cidade através da sua identidade não se deve à replicação pura e simples de soluções que funcionem em determinado momento e espaço, mas na qualificação de soluções parciais, na medida em que funcionem em conjunto de modo a transmitir essa identidade. A concretização do conceito de rua como espaço público e, permite a minimização dos custos a nível de desenho e espaço urbano pela implantação e influência das infra-estruturas, seja de que naturezas for. (ex. viária, ferroviária).
Assim a tendência da rua metropolitana transitória é a de se urbanizar, e ser um “condutor de urbanização”, de se adaptar à evolução da cidade, da alteração dos usos do solo, da localização de novos equipamentos
Haverá no entanto que considerar um regresso progressivo a um centro das cidades cujo crescimento potenciou a sua desocupação. Esta reocupação implicará também reavaliar a relação das infra-estruturas viárias com o tecido urbano pré-existente através de ruas transitórias.
Deste modo será possível aproveitar as mudanças de paradigma urbano para concretizar novas soluções de desenho urbano e traçado que permitam a consolidação da cidade como sistema integrado de sistemas urbanos de menor escala.
Os novos territórios e tecidos urbanos criados por novas infra-estruturas deve-se referir que estes têm o potencial de adaptação que o tecido consolidado pode já não ter, de adaptação prévia e qualificação quer do espaço público, quer especificamente da das relações entre tecido urbano e infra-estrutura, com especial atenção às ruas transitórias e à cidade transitória que as engloba.
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29 de março de 2011
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