Otávio Martins Peres, PROGRAU.FAUrb.UFPel, Brasil, otmperes@gmail.com
Maurício Couto Polidori, PROGRAU.FAUrb.UFPel, Brasil, mauricio.polidori@terra.com.br
Resumo: A partir de uma aproximação teórica entre urbanismo e ecologia, o trabalho especula sobre a formação de morfologias urbanas fragmentadas, decorrentes da dinâmica do crescimento urbano diante das irregularidades da paisagem natural. A cidade enquanto fenômeno em constate produção espacial, diante das resistências da paisagem definida pelos recursos hídricos, é capaz de alternar formas que ocorre o crescimento urbano, configurando alternâncias entre movimentos de compactação e fragmentação.
Em termos da ecologia urbana, esta dinâmica morfológica está associada a mecanismos de autoorganização e resiliência urbana, capaz de manter a produção espacial urbana simultaneamente que indica uma articulação à paisagem natural. Contudo, a cidade fragmentada não invalida a tendência natural da concentração urbana, e para que de fato ocorra, a cidade policêntrica articulada à paisagem natural demanda de ações para induzir a manutenção da devida intensidade nas relações sócioespaciais, simultaneamente que são preservados os locais de interesse do ambiente natural.
Palavras-chave: crescimento urbano, morfologia urbana, ecologia urbana.
1. INTRODUÇÃO.
O cenário da urbanização no planeta é continuamente crescente, onde os aspectos espaciais decorrentes do crescimento urbano são fatores importantes para a busca por um futuro urbano de equidade social e sustentabilidade ambiental. O que se tem são cidades em constante crescimento populacional e uma intensificação recente no processo de expansão urbana associada ao crescimento periférico, à descompactação urbana e a ampliação das interfaces entre o ambiente urbano e natural (UN-HABITAT, 2008).
A concentração humana em núcleos urbanos é decorrente da necessidade por uma intensidade nas relações sociais, que espacialmente configuram a cidade econômica no entrono de um lugar central, reproduzindo prioritariamente formas urbanas compactas e concêntricas (Jenks e Burgess, 2000). A descontinuidade espacial não se trata de um produto direto e exclusivo das relações sociais no espaço (Portugali, 2000; Batty, 2009), é resultante da sobreposição de fatores sociais, econômicos, ecológicos e culturais, onde a paisagem natural também apresenta influências (Alberti et al., 2003; Czamanski et al., 2008).
Desta forma, o trabalho parte do pressuposto que se abordados sobre uma perspectiva macro espacial e em longo prazo, crescimento urbano e ambiente natural podem ter morfologias compatibilizadas.
A partir de uma aproximação do urbanismo às ciências complexas e aos estudos da ecologia urbana, o trabalho pretende especular sobre a formação da fragmentação morfológica, decorrente do crescimento urbano articulado à paisagem natural, bem como indicar possibilidades e caminhos para que ocorram cidades fragmentadas e eficientes, que simultaneamente sejam preservados os locais de interesse ambiental e mantidas a intensidade nas conexões intraurbanas.
2. APROXIMAÇÃO À ECOLOGIA URBANA: EMERGÊNCIA, AUTO-ORGANIZAÇÃO E RESILIÊNCIA URBANA.
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3. DINÂMICA URBANA, FRAGMENTAÇÃO E A CONVERGÊNCIA À PAISAGEM NATURAL.
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3.1. Catalisadores da dinâmica: irregularidades da paisagem e a convergência com os atributos naturais.
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3.2. Enunciado Locacional e dinâmica de expansão: compacidade e fragmentação.
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3.3. Compacidade e fragmentação: desempenho e sustentabilidade urbana.
Se as características que definem os fenômenos complexos são responsáveis pela perpetuação do sistema ao longo dos tempos, o trabalho sustenta a tese que a ocorrência de formas compactas e fragmentadas, sincronicamente, pode ser associada a um mecanismo de resiliência e sustentabilidade urbana. Entretanto, para de fato ocorra, a permanência do fenômeno urbano depende também da eficiência do seu próprio funcionamento e das restrições e dificuldades que sua estrutura impõe ao desempenho das relações sociais e ambientais.
Não há dúvidas que a cidade concêntrica tem seu desempenho facilitado por possibilitar que internamente ocorram infinitas interações, promovendo a acessibilidade a todos os espaços e a devida intensidade das relações entre os agentes com compõem a forma urbana compacta. Porém, o modelo da cidade compacta, por muito perseguido pela teoria urbana, não tem se mostrado responsável por reduzir as custas sociais que ocorrem internas à cidade, não resolvendo os problemas de exclusão e segregação sócio-espacial urbano. Mais ainda, modelos concêntricos não permitem articulação morfológica à paisagem natural, urbanizando de forma indiscriminada os atributos do ambiente natural e contribuindo para a ocorrência de problemas ambientais intraurbanos.
Por outro lado, a fragmentação urbana que a priori se apresenta com maiores restrições à eficiência urbana, permite reduzir a conversão indiscriminada dos atributos da paisagem natural, facilitando práticas de preservação dos atributos de maior valor e interesse ecológico. Embora não sirva como um modelo de segregação sócio-espacial, evidências indicam que o modo que naturalmente ocorre a descontinuidade espacial da forma urbana fragmentada tende a manter a distribuição desigual das facilidades urbanas e a promover a segregação espacial. O fato é que, assim como a tendência a promover crescimento urbano difuso, a tendência à desigualdade espacial é intrínseca ao fenômeno urbano e precisa ser melhor compreendida pela teoria urbana. Ou seja, se na cidade contemporânea coexistem: a segregação e interação sócio-espacial; a artificialidade urbana e a natureza ambiental; a fragmentação e a concentração morfológica; cabe a teoria urbana indicar um modelo que envolva simultaneamente as ideias de eficiência, equidade e qualidade ambiental, em um novo paradigma da ciência que garanta de fato a sustentabilidade e permanência
do fenômeno urbano (Krafta, 2008).
4. MODELO URBANO POLICÊNTRICO: CONECTIVIDADE E INTENSIDADE.
Como está sustentado ao longo do trabalho, a dispersão da forma urbana é um fenômeno característico das cidades contemporâneas, ocorre simultaneamente nas grandes cidades do primeiro mundo pelos movimentos de suburbanização e do urban sprawl, mas também ocorre nos países do terceiro mundo na favelização e na formação de comunidades fechadas (gated communitys).
No mesmo caminho, trabalhos que aproximam cenários urbanos e a paisagem dos recursos hídricos são unânimes em indicar a emergência de formas urbanas polinucleadas, conforme estão nas imagens da figura 3 a seguir.
Ao levantar estratégias espaciais para a Ecópolis-Berkeley (Downton, 2009, figura 3a), para o crescimento da região metropolitana do Vêneto na Itália (Viganò, 2008, figura 3b) ou na busca por uma forma urbana futura sustentável (Jenks e Dempsey, 2005, figura 3c); todos são unânimes também ao indicar que a eficiência da forma polinucleada necessita de medidas que induzam a distribuição de facilidades urbanas de modo a consolidar a descontinuidade espacial, a ocorrência dos vazios urbanos e a preservação de locais de maior valor do ambiente natural. De fato, o que está indicado é a possibilidade de se pensar em um modelo urbano fragmentado e eficiente, somente se as facilidades urbanas foram equanimente distribuídas entre o núcleo principal e núcleos satélites, induzindo a formação de policentralidades simultaneamente que a morfologia se articula à paisagem natural.
A cidade policêntrica é um produto da descentralização dos núcleos urbanos monocêntricos, transferindo as facilidades urbanas de modo natural ou induzido na dinâmica urbana, onde as cidades passam a conviver em trocas permanentes entre o núcleo principal o e os núcleos urbanos adjacentes menores (Hall e Pain, 2006). A formação urbana policêntrica ocorre em três diferentes escalas, representadas na figura 4 a partir da cidade de Londres. Segundo Hall e Pain (2006), a policentralidade pode ocorrer desde uma rede hierárquica com as demais cidades globais (figura 4a; global cities; Sassen, 2001); em uma segunda escala de rede de cidades que conjuntamente configuram os centros globais (figura 4b; world city network), ou a policentralidades gerada a partir de um entorno urbano, com um núcleo central bem definido e reconhecida a existência de outros pequenos núcleos urbanos. Esta última escala se assemelha à proposta deste trabalho e trata por superar visões monocêntricas da cidade e reconhecer os aspectos da paisagem natural de suporte (figura 4c; global city regions).
Nas três escalas indicadas para a policentralidade, os múltiplos núcleos urbanos ocorrem fisicamente separados, mas intimamente ligados por uma espécie de rede, com alto grau de conectividade.
Pode-se considerar que o modelo da policentralidade não passa da ideia da monocentralidade vista de outra escala (Hall e Pain, 2006).
Se a policentralidade ocorre articulada a paisagem das sub-bacias hidrográficas, as conexões intraurbanas coincidem com as áreas adjacentes às linhas de drenagem, que no sentido inverso configuram uma paisagem natural também polinucleada, onde são igualmente importantes as conexões entre os fragmentos dos atributos naturais. Da sobreposição entre a rede de conexões intraurbanas e os corredores ecológicos naturais que conectam os fragmentos da paisagem, definem-se pontos de interseção entre a rede urbana e a rede natural. Portanto, o ponto chave para manutenção do modelo urbano policêntrico e a preservação dos atributos da paisagem natural está no desempenho e na intensidade das conexões entre os fragmentos urbanos e naturais.
Em suma, a proposta de um modelo da cidade policêntrica não ocorre de forma natural, não é intrínseca ao fenômeno urbano e para que efetivamente ocorra demanda de ações de planejamento que distribuam as facilidades urbanas, promovam as conexões necessárias e preservem atributos da paisagem natural. O fato é que, conexões eficientes em nome da policentralidade são capazes de manter a forma urbana fragmentada com a devida intensidade nas relações sócioespaciais, simultaneamente que são preservados as funções ecológicas dos atributos da paisagem natural. No sentido inverso, se as conexões intraurbanas forem deficientes, além de diretamente causarem impactos na paisagem, permitem a cidade a reverter o processo e retomar a forma compacta inicial.
5. CONSIDERAÇÕES
O trabalho, aproximando crescimento urbano e a paisagem natural, indica a fragmentação da forma urbana como intrínsecas ao fenômeno urbano, decorrente da auto-organização morfológica do sistema urbano à escala das bacias hidrográficas.
A ocorrência de uma descontinuidade espacial na forma urbana está indicada pela teoria urbana como uma dinâmica associada à transição de fases (phase transitions), ocorrendo como um efeito cascata (catastrophic cascades), semelhante aos demais sistemas complexos. Desta forma, não cabem mais à ciência urbana meras verificações sobre quais os atributos que caracterizam a cidade enquanto sistema complexo, sendo necessário indicar quais seriam os tipping points que o sistema converge para promover a dinâmica e a descontinuidade espacial.
A descontinuidade espacial independe de um único fator intraurbano específico, ocorre a partir da convergência de inúmeros subsistemas que convergem para uma dinâmica associada à transição de fases, semelhante ao que ocorre nos demais fenômenos complexos. Uma propriedade discreta que confere às cidades propriedades de permanência ao longo dos tempos, o que na ecologia urbana tem sido tratado em termos da resiliência.
Embora o processo fragmentação urbana também possa ser explicado através de outros fatores urbanos, como questões sociais (industrialização, formação de bairros proletariados, etc.) ou a preexistência de infraestrutura (sistema viário), a morfologia urbana também está associada aos aspectos da paisagem natural. No processo de produção espacial continuada da fábrica urbana, os recursos hídricos estão indicados como locais de convergência do sistema para a descontinuidade espacial urbana, tipping points para da alternância morfológica do crescimento urbano (phase transitions), onde os múltiplos subsistemas influenciam (catastrophic cascades) na descontinuidade espacial urbana.
A ocorrência da forma urbana fragmentada permite que os vazios urbanos possam coincidir espacialmente com locais de interesse do ambiente natural. Desta forma, a dinâmica do crescimento e a descontinuidades espacial podem ser de fato um caminho para melhor coexistirem sistemas urbanos e ecossistemas naturais. Entretanto, para que de fato ocorra a cidade articulada à paisagem natural, antes é preciso indicar uma escala para induzir a ocorrência da fragmentação urbana e os vazios urbanos efetivamente coincidam com locais de interesse da ecologia da paisagem.
Neste sentido, alguns autores têm-se antecipado e indicado a articulação entre sistemas de transporte e as bacias hidrográficas como uma possibilidade para reduzir custos de implantação de infraestrutura e reduzir os impactos do crescimento urbano sobre a paisagem natural. É nesta perspectiva e escala espacial que se associa o trabalho.
Contudo, a possibilidade de um modelo urbano fragmentado e eficiente, que articule crescimento urbano à escala das bacias hidrográficas, ocorre somente se as facilidades urbanas foram equanimente distribuídas entre o núcleo principal e núcleos satélites, o que demanda eficiência nas conexões entre os fragmentes urbanos. Entretanto, a fragmentação da forma urbana não anula a tendência natural das cidades a ocorrer de forma compacta e concêntrica. Pelo contrário, indica que as cidades crescem por movimentos de compactação e fragmentação, sincronicamente, caracterizando uma dinâmica que a define essencialmente como fenômeno complexo. O fato é que se na cidade coexistem a fragmentação e a concentração morfológica, de onde decorrem a segregação e a interação sócio-espacial, a artificialidade urbana e os conflitos de natureza ambiental; cabe à teoria urbana definir um modelo que de fato garanta a sustentabilidade e a permanência do fenômeno urbano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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link para o texto integral:
https://www.ua.pt/ii/ocupacao_dispersa/ReadObject.aspx?obj=18203
enviado por: Otávio Martins Peres
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