14 de março de 2013

A expansão da cidade de Nampula

Alexandre Hilário Monteiro Baia

OS CONTEÚDOS DA URBANIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE
Considerações a partir da expansão da cidade de Nampula
(Tese de doutoramento)

São Paulo, 2009

6. A expansão da cidade de Nampula
A história do crescimento das áreas suburbanas ao redor das cidades ocidentais é semelhante a das cidades que, mesmo sendo localizadas em outros contextos sociais, possuem uma economia ocidentalizada. A semelhança genérica varia, contudo, para cada caso, em questões de detalhe, devido às diferenças que se podem observar nos ritmos do crescimento suburbano e na rapidez da construção – fatores relacionados com o nível econômico e técnico alcançado em cada lugar (Johnson, 1974: 179).
Durante os anos 70, a expansão da cidade de Nampula realizava-se enquanto espacialização das relações coloniais: surgimento de áreas residenciais para mão de obra africana que prestava diversos serviços na cidade colonial ou albergavam pensionistas e ex-militares moçambicanos que tivessem participado das incursões militares portuguesas no interior da região norte de Moçambique. No primeiro caso, as moradias eram construídas pelos seus proprietários e com material não convencional, enquanto no segundo caso foram construídos com material convencional, pelo Estado colonial, blocos de pisos habitacionais ou conjuntos de casas unifamiliares em fileiras contínuas (ex. Bairro Muhaivire).
Depois da Independência em 1975, o crescimento das áreas periféricas foi interrompido por um movimento inverso: a população que residia nos bairros periféricos migrou para o núcleo central que constituía a cidade colonial. A partir da década de 80, retoma-se o crescimento de bairros periféricos como resultado, principalmente, da fixação de refugiados moçambicanos provenientes de diversas áreas atingidas pelo conflito armado que deflagrou nos primeiros anos do período pós- independência. Em 1986 (vide mapa a seguir), as áreas periféricas são acrescidas com a inclusão de uma franja predominantemente rural dentro dos limites administrativos da cidade. Nesse transcurso, as formas de urbanização alteraram-se significativamente.
A habitação e os imóveis de rendimento foram nacionalizados numa medida que pretendia eliminar a especulação no mercado imobiliário e controlar a ocupação das habitações abandonadas pelos portugueses; assim, o Estado passou a deter o monopólio da produção e distribuição da habitação cuja administração estava a cargo da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE). A falta de investimentos na habitação reduziu a oferta de moradia no núcleo central da cidade. Perante um crescimento populacional evidente, resultado da migração campo-cidade, e a crise habitacional, o Estado passa apenas a atribuir parcelas de terra nas áreas definidas para expansão das cidades enquanto a construção da habitação depende das capacidades financeiras de cada habitante.
Nesse contexto, o espaço urbano retoma as lógicas definidas pela hierarquia social construída em função das desigualdades econômicas. Por um lado, o centro da cidade é constituído por conteúdos tradicionalmente qualificados sob o epíteto de urbano - que o diferenciam do rural: a habitação urbana alinhada em ruas ou em conjuntos de edifícios; caracterizado pela separação dos locais de trabalho e dos locais de residência; a rede viária urbana e um conjunto de equipamentos lineares asseguram o uso de serviços (distribuição de água, de gás, de eletricidade, eliminação de águas servidas e dos detritos e uma rede de circulação de pessoas e mercadorias; disposição de serviços administrativos, pessoais, equipamento comercial, sanitário e cultural.
O núcleo central comporta diversas áreas funcionais: áreas industriais, de comércio, de manipulação e transito de mercadorias, estabelecimentos sociais, de serviço militar, asilos e áreas residenciais.
Por outro lado, nos bairros recentes podem ser observadas habitações construídas segundo o modelo de habitação urbana européia assim como espaços residenciais que contemplam tanto a moradia como os lugares para atividades produtivas (artesanato, agricultura, comércio) - não ocorre, nesses casos, a separação entre o lugar de trabalho e a residência; as ruas são tortuosas ou inexistentes; portanto, trata-se de uma reinvenção da habitação rural no meio urbano e desse modo, a paisagem urbana revela o encontro entre a importação do modelo de habitação da cidade européia e a habitação autóctone (do tipo rural?) – e por isso a fisionomia revela diferenças arquitetônicas resultantes de diferentes modos de vida na cidade. Deriva daí, que o núcleo da cidade, tanto pela arquitetura como pela sua disposição predominantemente ortogonal, possui uma estrutura diferente daquela que se desenvolve descontinuamente nos bairros ou grupo de bairros periféricos recentes.
As áreas de expansão recente são constituídas por bairros recentes caracterizados por uma ocupação residencial horizontal muito densa onde os serviços urbanos são precários ou inexistentes. Nessas áreas que inicialmente serviram de residência da população rural nativa e de imigrantes rurais estabelecem-se atualmente algumas empresas, estabelecimentos de lazer ou bairros residenciais. O processo começa pelas áreas ao longo das vias de circulação o que transforma as antigas áreas rurais como pontos de fixação de construções urbanas de tipo europeu que permeiam construções tipicamente rurais. Com a alteração dos limites administrativos da cidade ocorre uma mescla entre as áreas onde o espaço construído assemelha-se a cidade européia e as áreas que permanecem com construções autóctones; ai, os determinantes de urbanização continuam ligados a propriedade da terra assim como ao papel central da cidade: a urbanização prossegue fragmentada: pois ao redor do núcleo central forma-se um anel descontínuo contendo lugares urbanizados em áreas rurais com uma economia profundamente transformada e que conservam um modo de vida autóctone. Daí a contradição entre a unidade administrativa da cidade e a fragmentação da cidade produzida pela urbanização desigual.
A expansão da cidade de Nampula torna-se assim um processo de produção de periferias na medida em que ocorre apenas o deslocamento de atividades, principalmente ao longo das principais vias de acesso à cidade, e da população da cidade (surgimento da área chamada Muhala-expansão): extensão das funções da cidade. Trata-se de uma disposição que corresponde a uma necessidade mais ou menos consciente de centralizar o desenvolvimento urbano num núcleo administrativo e cultural único cuja tendência levará a destruição do antigo modo de vida autóctone.
As áreas periféricas da cidade de Nampula caracterizam-se por uma urbanização incompleta, pois, faltam-lhes vários elementos relativos a uma cidade: um ou vários serviços urbanos; mas mantém uma complementaridade com o núcleo central ao efetuarem a troca de produtos e de serviços, o que se realiza pelos deslocamentos diários da população dos bairros recentes para o núcleo central ou entre os diversos bairros centrais.
...

A expansão da cidade de Nampula reflete, portanto, a interação entre práticas e funções sociais e econômicas derivadas da industrialização européia (mesmo que precárias ou incipientes) – transporte e circulação, produtos manufaturados – e o comércio e artesanato autóctone; reflete também a adoção de formas européias de vida, principalmente no que se refere à habitação, por parte de algumas frações da população na medida em que aumenta sua renda. As frações mais favorecidas da população tendem a abandonar o núcleo central da cidade – devido à degradação dos serviços de saneamento, abastecimento de água e das habitações, mas também, porque os bairros periféricos imediatos encontram-se densamente ocupados - daí o surgimento de grupos de habitações, com uma arquitetura moderna e de custos elevados, cujos proprietários são funcionários públicos superiores, empresários, ou funcionários médios cuja renda não tem origem específica, no meio de áreas onde predominam habitações construídas com material não industrializado (argila, troncos de árvores, diversos tipos de palha, etc.) ou com certa mistura de material industrializado (zinco, telhas e cimento).
A combinação dos elementos acima descritos produz uma cidade cujo núcleo central assemelha-se à cidade européia pelas características do espaço construído: os edifícios foram construídos segundo modelos urbanísticos europeus. Atualmente esses edifícios, abandonados pelos seus antigos proprietários (colonos) que não simpatizaram com o novo regime socialista instaurado depois da independência nacional, e agora ocupados na sua maioria por moçambicanos negros e cidadãos de origem indiana, encontram-se na sua maioria envelhecidos e degradados. Contudo, são edifícios cuja arquitetura é representativa do urbanismo europeu em Moçambique, pois lembram a colonização portuguesa mesmo que as formas de construção tenham sido influenciadas por uma arquitetura moderna que não reflete necessariamente estilos portugueses.
Ao redor do núcleo central desenvolvem-se bairros ou grupo de bairros onde se misturam casas construídas no estilo europeu e casas com uma arquitetura autóctone. A ocupação do solo é horizontal e muito densa, sem espaços livres e geralmente com ruas tortuosas ou inexistentes; ai, dificilmente se pode referir da existência de planta urbana. A alteração dos limites administrativos da cidade, que resultou no aumento da área da cidade, culminou com a constituição de bairros recentes onde o espaço construído possui semelhanças com o espaço rural.
Na medida em que os elementos de urbanização foram se estendendo para além do núcleo central, nos diversos contextos históricos, a cidade de Nampula foi alterando sua forma – apresentando uma espécie de tentáculos ao longo das principais rodovias de acesso à cidade -, seu conteúdo; alterações influenciadas pelas modalidades de acesso ao solo, pelas características da construção de equipamentos e infra-estruturas, e pelas modalidades do acesso à habitação. Enfim, a cidade de Nampula – enquanto mediação – expõe essa relação com uma ordem distante, o Estado e a sociedade moçambicana, e uma ordem próxima – o campo circundante, o modo de vida das comunidades autóctones.
Simultaneamente ocorre a revalorização de certas áreas, antigos terrenos vazios ou com edifícios abandonados e degradados, no núcleo da cidade como resultado de políticas de desenvolvimento que estimulam o investimento em infra-estruturas turísticas. A dinâmica desse investimento privado na cidade de Nampula influencia a produção do espaço urbano através do aparecimento de novos edifícios construídos (ex.: hotéis) seguindo uma arquitetura moderna similar à das cidades ocidentais. Ai, a centralidade urbana se reproduz e revela a tendência da produção capitalista do espaço.
...

Eles conformam um espaço urbano produzido pelas dinâmicas resultantes da migração rural-urbana, pela inclusão de áreas rurais dentro dos limites da cidade – designada por reclassificação urbana – num processo em que a centralidade da cidade prevalece e influência as dinâmicas internas e externas ao espaço urbano.
...

Link para o texto completo:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-19022010-173301/publico/ALEXANDRO_HILARIO_MONTEIRO_BAIA.pdf

Sem comentários: