Resenha do livro:
Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano
Nestor Goulart Reis
Via das Artes, São Paulo; 1ª edição, 2006
Por:
Maria de Lourdes Pinto Machado Costa
Publicada em:
Vitruvius - abril de 2011 - revista Resenhas Online
Trata-se de publicação que reúne estudos e análises sobre o processo de urbanização em sua versão mais recente – a Dispersão Urbana. A este material se somou o produzido pela investigação do autor sobre a temática nos últimos anos. Ela traz, em perspectiva histórica, o processo de urbanização desde as últimas décadas do século 20, e primeira do 21, com suas mudanças mais visíveis no pós 1980-1990. Foi considerado como base o sistema urbano do estado de São Paulo, mas analisa áreas metropolitanas e suas faixas envoltórias, tanto em relação a São Paulo quanto para as respectivas áreas de Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba.
Vista aérea de São Paulo
Foto Nelson Kon
Ao longo dos capítulos, revela-se a procura de um senso comum, respaldado em observações diretas, interpretações sobre os casos averiguados, bem como reflexões atinentes ao processo, mesmo que de cunho ainda exploratório.
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A idéia se funda na busca de um alinhamento viável entre os problemas e as indagações constatadas e de seus respectivos equacionamentos. E pretende discernir os campos e complexidades inscritas nos muitos e diversificados tipos das materializações do processo de urbanização sobre o espaço, na atualidade. A dispersão urbana evidencia aspectos de seu estágio mais recente, expressos segundo novas formas de aglomeração da população e de formação de tecidos urbanos sobre o território.
A espacialização do fenômeno da dispersão urbana
Tendo como exemplo o estado de São Paulo, a espacialização do fenômeno foi observada segundo os usos do solo, da seguinte maneira:
a) esgarçamento crescente do tecido dos principais centros urbanos;
b) formação de constelações ou nebulosas de núcleos urbanos e bairros, de diferentes dimensões, integradas em uma área metropolitana ou em um conjunto ou sistema de áreas metropolitanas;
c) mudanças nos transportes diários intra-metropolitanos de passageiros;
d) difusão ampla de modos metropolitanos de vida e de consumo, tambémestes dispersos pela área metropolitana ou sistema de áreas metropolitanas.
O conhecimento sobre o processo de mudanças, assim como a construção de explicações consistentes em relação a sua prática atual, demanda a análise de suas características, a serem consideradas em duas escalas: a mais abrangente, representada pelas formas de dispersão urbana no âmbito regional, e num nível mais reduzido, o do tecido urbano, onde se evidenciam as relações em seu interior – na escala intra-urbana.
Este surpreendente estágio de rebatimento dos fenômenos sobre o território (urbano, mas extensivo ao rural e periferias metropolitanas) apresenta dinâmica radical na formação dessas novas formas de aglomeração de população e de gestão dos espaços regionais e locais, independentemente de suas respectivas jurisdições, divisões administrativas, políticas.
A consciência das mudanças
As mudanças podem ser identificadas em investigações e seminários efetivados, sob as óticas européia e norte americana, com ênfase em autores europeus (casos da Alemanha, Espanha, França, Itália e Portugal).
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Ao tentar compatibilizar teoria e prática, faz emergir uma constatação: de que a teoria disponível não dá conta do que está sendo extensa e constantemente produzido sobre os territórios, em distintos níveis – regionais, meso e microrregionais, e locais.
Dispersão em áreas residenciais, industriais, de comércio e serviços
Nas áreas residenciais a dispersão também se faz segundo extratos – indo dos mais aos menos abastados – sendo os dos pobres, mais antiga, em ocupações periféricas, irregulares. Neste último caso, os assentamentos são precários em relação aos serviços, infra-estrutura e transportes. Recentemente, esses assentamentos tem crescido, contando em boa parte com transportes alternativos, nos deslocamentos de suas populações em direção à metrópole, onde se encontra o local de trabalho.
Também contribuem para os novos modos de vida a dispersão industrial, que inaugurou o processo em São Paulo, alojado em faixas lindeiras às estradas. Da mesma forma, há dispersão urbana a partir dos centros de comércio e serviços, ou capitaneada pela implantação de outros vultosos investimentos, shopping-centers, grandes equipamentos comerciais, centros empresariais, de escritórios e de telecomunicações, entre outros complexos de usos múltiplos. Na base dos novos modos de vida esteve presente a procura de realização do sonho da moradia, mais segura e integrada à natureza.
Dispersão: atores e agentes do setor imobiliário
De outra vertente, a dispersão urbana se dá a conhecer através das ações de atores sociais, como os do setor imobiliário. Este se traduz pela atuação e produção concreta, em que viabiliza o acesso a áreas afastadas, pouco densas, alimentado pelo grande capital financeiro, no vigente estágio do capitalismo mundial.
Os empreendimentos de grande porte, tidos como projetos de desenvolvimento urbano, geralmente provêem do capital privado e geram novas centralidades.
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Vale, ainda, lembrar a crítica final feita pelo autor aos modelos adotados nos projetos arquitetônicos, de forte influência norte americana
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Considerações finais
Sob perspectiva social, alguns modelos teóricos têm procurado visualizar e elucidar seus fundamentos. Estes se enquadram em duas linhas principais: a que se encontra voltada para os estudos quantitativos e demográficos, com tendência a justificar a distribuição de população e atividades sobre o território em função de mudanças tecnológicas e, a outra linha, de viés não consensual, significativamente mais politizada, que entende a recente organização territorial como componente da reorganização produtiva, da nova etapa de evolução do capitalismo, sobretudo ao se verificar a reorganização de setores mais dinâmicos do mercado imobiliário, que tenta impor sua lógica de desenvolvimento mais oportunista.
No plano internacional, chama a atenção para a necessária prudência a ser tomada nas análises, ao considerar situações e perspectivas sociais endógenas e exógenas aos processos, ao se avaliar tanto semelhanças quanto diferenças, em face das experiências e contextualizações plurais, próprias ou específicas das histórias dos países e regiões, sejam na América Latina, Europa ou Estados Unidos da América do Norte. Mas destaca algumas mudanças determinantes no grau da atratividade metropolitana, mesmo naqueles países com nível médio de industrialização. Ainda na escala metropolitana, confirma a formação de novos eixos de ocupação, não raro devido às conurbações, muitas vezes lineares, lindeiras às rodovias.
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A leitura realizada conduz a reflexões sobre mais alguns pontos: as diferenciações entre as áreas dispersas pelo território que ainda guardam vínculos de um mesmo sistema urbano, o advento de novas regionalizações tanto em relação às regiões oficiais de governo, quanto à regionalização do cotidiano nas escalas intra e inter-metrópoles, com suas interrelações e assimilação de novos modos de vida da população. Entre estes encontram-se os maiores fluxos de mobilidade de pessoas, mercadorias, veículos, além de notícias e informações passadas pelos sistemas de comunicação, efetivados entre municípios contíguos ou distantes, e o que desemboca na adoção de outras formas de gestão dos espaços urbanos.
Vale pontuar outras chamadas no texto, como a necessidade de se considerar o quadro da crescente complexidade no momento atual, em especial no que reflete nas alterações das relações sociais e de trabalho. Por outro lado, atenta para uma necessária postura e consciência sobre essas mudanças, para que se possa lidar com a dispersão urbana, enquanto passagem de um estado para outro, em que as formas constituídas se expandem e se subdividem rapidamente sobre o território. Não é demais lembrar que essas mudanças não decorrem apenas de processos físicos, mas de processos sociais na organização do território. Pelo exposto, tudo indica que diferentes instâncias de governo, opinião pública e mídia não se deram conta, ainda, da intensidade, gravidade e urgência de se criar condições para se controlar esse processo.
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A relevância do livro se baseia enormemente na tentativa de passar para o público especializado e a sociedade em geral, o entendimento de uma modalidade de urbanismo que altera visões, modos de vida; além de um difícil e imenso esforço de compreensão para registrar e levantar possibilidades de explicitação de um fenômeno mal percebido pelos cidadãos, com implicações e conseqüências sobre seus cotidianos, interferindo, segundo diferentes naturezas e dimensões, escalas de vivência, paisagens regionais e locais, e meio ambiente, na troca acelerada de valores consolidados, pari passo às compartimentações e segregações generalizadas, cada vez mais identificadas pela exclusividade de certos extratos sociais, praticadas numa lógica distante do discurso universal.
Link para a resenha completa:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/09.108/3833
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