18 de fevereiro de 2011

Amigos e Inimigos do Estacionamento

Mulher acusa autarquia de Albergaria-a-Velha de a atirar para a miséria
Diário de Notícias 05-02-2011

Margarida Bento, 39 anos, meteu a Câmara de Albergaria-a-Velha em tribunal. Anteontem e ontem protestou nos Paços do Concelho.

Em causa, a criação de um salão de chá e a obrigatoriedade de criar dois lugares de estacionamento, que diz não ser possível – a obra foi embargada.

Em 2009, desempregada, apresentou uma candidatura ao Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para criar três postos de trabalho. Deferido o pedido de informação prévia à autarquia, foi aprovado o projecto.

Ao celebrar contrato com o IEFP, constituiu-se empresária em nome individual e recebeu 30 mil euros.

No início deste ano, apresentou os projectos de especialidade na Câmara e, em Março, começou as obras. Depois, a obra foi embargada e indeferido o licenciamento.

João Pereira, presidente da Câmara de Albergaria-a-Velha, disse ao DN que “foi dado conhecimento à requerente que, para alterar um espaço de habitação para instalar um estabelecimento de bebidas, eram necessários dois lugares de estacionamento para cumprimento do PDM”.



O estacionamento do PDM

A propósito desta história da desempregada empreendedora de Albergaria-a-Velha que, para abrir o salão de chá, tem de arranjar dois lugares de estacionamento público – pois com licença que vou reportar o caso que se passou em Albergaria-a-de-Meia-Idade, esse lugar mítico que, digamos assim, alberga todas as nossas vilas, cidades, todas as idades.

Fulaninha ficou desempregada, mas não desarmou. Vá de adaptar a estabelecimento público de restauração e bebidas a parte onde antes era a garagem e umas arrecadações no rés-do-chão da sua vivenda.

A casa situa-se numa correnteza de outras semelhantes, alinhadas ao longo da Rua da Estrada, cada uma em seu lote com 20 metros de frente, um jardinzito murado a separar a vivenda da rua.

E ela, para arranjar o espaço para o estacionamento público, toca a deitar abaixo o muro e fazer um novo dois metros e meio mais para dentro, sacrificando o jardim. Refez o passeio no seu novo traçado, e pronto, ficou ali com três magníficos estacionamentos adjacentes à via pública, mais do que manda o PDM, cada um com seus bons 5 metros de comprimento, como manda a Portaria, e os restantes 5 metros ficaram livres para acesso da carrinha de serviço ao interior do lote.

Criou dois novos postos de trabalho, com o dela própria faz três – mas isso, para o PDM é o menos. O que interessa é que o salão ficou bonitinho, o serviço agradou, aquilo começou a ter sucesso.

Agora sem garagem, Fulaninha passou a estacionar o seu carro cá fora, pois claro. E as empregadas, logo pela manhãzinha, chegavam e arrumavam também as suas viaturas nos dois restantes lugares de estacionamento do PDM, ora essa.

À hora do lanche vinham aquelas clientes todas para ali tagarelar e enfardar doces até à hora de jantar, e deixavam os carros estacionados na faixa de rodagem, a estorvar o trânsito, ou em cima dos passeios, a estorvar os peões. E à noite, depois do jantar, vinha aquele pessoal tomar café e digestivos, ficavam ali horas na conversa, e os carros lá fora a estorvar.

A polícia começou a vir multar, bloquear as rodas, rebocar.

O negócio entrou em declínio, depressa faliu e encerrou.

O que valeu a Fulaninha foi que Beltraninha, uma das suas empregadas, agora desempregada, não desarmou. Alugou-lhe o espaço, e vá de o adaptar a um atelier de costura, reparação de roupas, virar colarinhos, e assim.

Beltraninha deu emprego a Fulaninha e também à sua outra colega.

O negócio corre sem problemas de maior. A clientela chega, encosta, liga os quatro piscas e, num instantinho, vai lá dentro deixar o saco com as roupas a reparar, ou buscar as já reparadas, pagar e andar.

Aquilo prospera, e Beltraninha até já criou mais três novos postos de trabalho.

O único problema é que não há estacionamento para os carros das novas empregadas. Mas pronto, elas lá se arranjam, deixam os carros ao pé da igreja e fazem o resto a pé. Até lhes faz bem andar, espairecem enquanto caminham ao longo da Rua da Estrada, ora essa.

Moral da história – agora é Fulaninha que, quando passa na rádio aquela cantiga da Deolinda, suspende a costura e fica para ali, com o olhar fixo, a meditar com os seus botões: “Que parva que fui… Cumpri o PDM e afinal, ó, agora estou práqui a virar colarinhos.”

Joaquim Jordão
Amarante, 18 Fevereiro 2011

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